domingo, 5 de janeiro de 2014

POEIRA ENTREVISTA, parte 5: CELSO FARIA



Celso (à esquerda) e Antonio de Teffé em DJANGO, O BASTARDO (1969). Acervo Fábio Vellozo

O Django bastardo de Antonio de Teffé chegava ao RJ em 7 de dezembro de 1970, via Fama Filmes. Acervo Fábio Vellozo

FV: Ainda em 1969, você fez um pequeno papel em Django, o bastardo (Django, il bastardo, Itália, 1969), de Sergio Garrone, escrito e estrelado pelo seu amigo Antonio de Teffé.

CF: Sim, soldado Kent! [Nota: Celso é o ator que dá a garrafa de uísque para o personagem de Teffé durante o flashback ambientado na Guerra Civil dos EUA. Ele morre pouco depois nos braços de Antonio].

Celso morto nos braços de Antonio. Acervo Fábio Vellozo

Antonio conseguiu o papel para mim, ele me ligou dizendo que tinha trabalho. Ele era um cara legal e me ajudou na Itália.

FV: Como?

CF: Apresentou-me a agentes e diretores. Não deu muito certo, mas ao menos ele tentou.

Vídeo 1: DJANGO, O BASTARDO (filme completo)

FV: Já que mencionamos Teffé e Esmeralda Barros, falemos sobre os demais brasileiros que trabalhavam no cinema italiano. Florinda Bolkan?

Florinda Bolkan: de Uruburetama (CE) para o mundo

CF: Havia um pavilhão enorme em Cinecittà onde se localizavam todos os camarins. Eu estava lá filmando algum western quando percebi que o camarim de Florinda era ao lado do meu.  Bati na porta, me apresentei e expliquei que eu era um ator brasileiro que estava fazendo um western atrás do outro e que queria experimentar outros gêneros, outros tipos de filmes. Pedi para que ela me colocasse em contato com a condessa [Marina] Cicogna, que havia lançado sua carreira. Ela concordou e me levou ao escritório da condessa, onde deixei centenas de fotos... E nunca mais ouvi falar de nenhuma das duas! (risos)

FV: Marília Branco?

CF: Ela era ex-mulher do Adolfo Celi. Eles casaram no Brasil, quando Celi trabalhava em teatro e fizeram algumas peças famosas, como a francesa Boeing-Boeing, um puta sucesso. Em São Paulo, Celi havia dirigido a primeira produção da Vera Cruz, Caiçara, em 1950. Acho que eles foram juntos para a Itália e se divorciaram lá. Eu a conheci quando vivíamos naquela pensão da qual lhe falei anteriormente. Ela teve um affair com o Fabio Testi e voltou para o Rio alguns anos antes de mim. Soube que ela se tornou alcoólatra e que acabou se suicidando, morrendo na pobreza. Uma história muito triste. Não lembro dela ter feito filmes na Itália.

Marília e grande elenco na peça A PERDA IRREPARÁVEL..., de Wanda Fabian, que estreava em 17 de fevereiro de 1965 no Teatro Copacabana. Acervo Fábio Vellozo

[Nota: Marília Branco e Celi – que havia sido seu professor de teatro no Tablado - casaram-se no dia 7 de agosto de 1962, no Rio de Janeiro, e se desquitaram em São Paulo em setembro de 1965, quando ela tinha apenas 23 anos, metade da idade do marido. A ex-modelo estrearia no cinema em El Justicero (1967), de Neslon Pereira dos Santos, e foi alçada ao posto de protagonista em Anuska, manequim e mulher (1968), de Francisco Ramalho, Jr. Sob a direção do então marido Adolfo Celi, estrelou a adaptação do romance de Marques Rebelo, Marafa (1963), atuando ao lado de Glauce Rocha e Cecil Thiré. O filme nunca foi concluído por falta de dinheiro. Debutou no cinema italiano com A noite da vergonha (Vergogna schifosi!..., Itália, 1969), de Mauro Severino, em que contracenou ao lado de Lino Capolicchio. Seus outros créditos incluem o giallo Il sorriso del ragno (inédito no Brasil, Itália, 1971), Per amore ou per forza (inédito no Brasil, Itália/França, 1971) e a comédia Mazzabubù... Quante corna stanno quaggiù? (inédito no Brasil, Itália, 1971). Depois de voltar ao Brasil, participou da novela O rebu (1974) e virou figurinha fácil nas crônicas de Carlinhos de Oliveira e na coluna social de Léa Maria, ambos do Jornal do Brasil (RJ). Pouco foi divulgado na imprensa sobre seu falecimento].

Estreia carioca com três anos de atraso de A NOITE DA VERGONHA, em 7 de dezembro de 1972, via Paris Filmes. Acervo Fábio Vellozo

Capa da revista italiana Bigfilm n°7 (setembro de 1970), com a fotonovela de A NOITE DA VERGONHA
 
Na foto maior, na página da direita, Marília e Lino Capolicchio se beijam

Vídeo 2: lisergia e pop art em A NOITE DA VERGONHA, ao som da espetacular faixa 'Matto, caldo, soldi, morto... girotondo', composta por Ennio Morricone para a trilha do filme

Marília Branco e Gianni Combi na fotonovela O pecado de um homem. Abril de 1972

Vídeo 3: uma das melhores sequências do filme, uma pequena joia desconhecida, ao som da mesma faixa

Locandina italiana de IL SORRISO DEL RAGNO, de Massimo Castellani

FV: Rejane Medeiros?

CF: Rejane interpretou Anita Garibaldi em ll giovane Garibaldi (TV, Itália, 1974) [Nota: o futuro ídolo dos polizieschi, Maurizio Merli, fez o papel de Garibaldi], uma superprodução da Rai dirigida pelo Franco Rossi aqui no sul do Brasil. Tinha um puta elenco e foi um sucesso enorme na Itália. Eu liguei para ela e disse: “Você precisa vir para cá, a minissérie é um estouro!”. Ela foi, fez alguns filmes, como um de máfia com o [ator] Tony Musante [Nota: Medeiros atuou em um dos episódios da minissérie Alle origini della mafia (TV, Itália/Inglaterra, 1976), de Enzo Muzii] e iria trabalhar com Vittorio De Sica numa adaptação de um livro do Gabriele D’Annunzio quando ele faleceu.

Rejane Medeiros na Revista Status n° 69 (abril de 1980)

FV: Conte sua história com a atriz Pier Angeli.

Pier Angeli

CF: Eu estava fazendo um western em Livorno – mais um! (risos) -, onde o Carlo Ponti tinha um estúdio pequeno para produções B e C. Além de nós, havia outra equipe rodando um filme de terror. Durante um intervalo, vi uma mulher linda no lobby do hotel Intercontinental, completamente bêbada (risos), me encarando. Seu rosto era familiar, mas não sabia de onde. Eu não desviei o olhar e passei a encará-la também. Um “caubói” que estava sentado ao meu lado percebeu o que estava ocorrendo e falou:

 - Aquela é a Anna Maria Pierangeli!

- Puta merda, é mesmo! Pensei que morasse em Hollywood! O que diabos ela está fazendo nesse buraco?

O curioso é que eu já a conhecia dos tempos da Vera Cruz, quando estrelas da MGM como Debbie Reynolds e Vic Damone visitaram os estúdios. Anna Maria estava entre o grupo que veio a São Paulo.

Ainda que não trabalhasse mais nos EUA, ela era bastante famosa. Pensei: “Não posso perder essa oportunidade, tenho que tirar algum proveito da situação!” (risos). Porra, eu estava no mesmo hotel da Pier Angeli, que me deu uma baita manjada! (risos). Bolei uma jogada. Chamei nosso fotógrafo de still e pedi que ele fosse para a praia com suas melhores lentes:

- Vou tentar rolar na areia abraçado a ela e vamos vender as fotos para todas as revistas da Itália! (risos).

Ela foi para o café junto ao lobby e eu coloquei meu plano em prática. Sentei ao seu lado, puxei conversa, disse que a conhecia do Brasil, que ela estava linda e mais um monte de besteiras. Ela não lembrava porra nenhuma, estava aérea, e eu também havia bebido vinho no almoço - uma tradição nos sets italianos da época. Perguntei se queria ir à praia e, para meu espanto, ela topou! Apenas disse que precisava pegar o maiô em seu apartamento.

Entramos juntos no elevador e, quando fui apertar o botão do segundo andar, ela segurou meu dedo e o levou até o do oitavo andar, onde ela estava hospedada! Fomos para o quarto dela e eu esqueci da praia, do fotógrafo e das revistas! (risos). O problema é que passamos a tarde inteira bebendo champanhe com laranja - o que, para mim, era muito exótico! – e não faço a menor ideia se trepamos ou não! (risos). Nós apagamos!

Minha única recordação daquele dia é de ter sentido o drama que ela vivia. Pouco depois de chegarmos ao quarto, ela estava de pé junto à janela, viu alguém lá embaixo - um sujeito chamado Martinelli, que devia ser o diretor do tal filme de horror que ela estava fazendo – e começou a gritar:

- Eu trabalhei com Paul Newman, em Hollywood! Não é verdade, Martinelli?  Não é verdade?!

FV: Quando isso ocorreu, Celso?

CF: 1969 ou 1970. Quando finalmente desci, meus colegas “caubóis” me cercaram, querendo saber como havia sido a suposta tarde de amor. “Essa mulher não vai durar muito”, falei. Ela estava profundamente deprimida e não sabia lidar com o fato de que não era mais uma estrela. Não foi surpresa nenhuma quando, pouco tempo depois, vi que ela havia morrido em Beverly Hills, com uma overdose de Nembutal.

O casal James Dean e Pier Angeli

[Nota: a informação de Celso é precisa. Em 1969, Pier Angeli atuou, em Livorno, no drama de suspense Quell’amore particolare (inédito no Brasil, Itália, 1969), do diretor Carlo Martinelli, que faleceu antes do término das filmagens. O longa permaneceu inédito na Itália até a década de 1980, apesar das presenças de Angeli e Enrico Maria Salerno no elenco. A atriz faleceu no dia 10 de setembro de 1971, nos EUA, aos 39 anos de idade. Em seu currículo, a ex-namorada de James Dean deixou clássicos como Marcado pela sarjeta (Somebody up there likes me, EUA, 1956), a cinebiografia do boxeador Rocky Graziano dirigida por Robert Wise, em que contracena com Paul Newman].

Locandina italiana

Vídeo 4: trecho de QUELL'AMORE PARTICOLARE com Pier Angeli (em italiano)

FV: Conte como você e Anselmo Duarte encontraram Federico Fellini.

CF: Fellini estava rodando Roma de Fellini (Roma, Itália/França, 1972) em Cinecittà; Anselmo estava em Roma enquanto eu filmava algum western na Villa de Cinecittá. Os dois se conheceram quando O pagador de promessas venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1962 e tornaram-se amigos. Dez anos haviam se passado e Anselmo me contou que queria muito revê-lo. 

Celso, o galã, na entrada dos estúdios da Cinecittà. Acervo Fábio Vellozo

Eu tinha um conhecido, um roteirista chamado Renzo Cerrato, que era bastante próximo de Fellini. Não sei se algum de seus roteiros chegou a ser produzido. Todos sabiam que era praticamente impossível chegar até o maestro durante as filmagens, mas implorei para que Renzo nos levasse até ele. Não me pergunte como, mas o fato é que ele conseguiu. Quando Fellini viu Anselmo, parou tudo, veio em nossa direção e tascou-lhe um beijo. Passamos a tarde conversando e bebendo litros de uísque. Depois que você visitou Anselmo, ele me ligou e eu perguntei o porquê de não termos tirado uma mísera foto sequer naquele dia. "Porque nós somos uns imbecis, Celso", ele respondeu.

[Nota: Entrevistei o octogenário Anselmo Duarte em Salto (SP), em agosto de 2003, que contou a mesma história, omitindo o nome de Cerrato, que tem diversos créditos como assistente de direção e um longa como codiretor, Assassinos de aluguel (Niente rose per OSS 117, Itália/França, 1968), com John Gavin na pele do espião Hubert Bonisseur de La Bath, o OSS 117].

O homem da Palma de Ouro e este humilde escriba, em Salto (SP). Agosto de 2003. Acervo Fábio Vellozo

Fim da PARTE 5